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Inventário

(poemas)

(In RABELO, Gustavo. Inventário. Brasília:

Edição do autor, 2001, pp. 48)

BIFOCAL

Incide um raio de luz
sobre a plana superfície
do espelho e espalha
o superficial reflexo
de algo desconexo.

Um objeto não identificado:
nem abstrato,
nem concreto;
nem simples,
nem complexo.

Se projeto de forma direta,
indireta ou inversamente
proporcional à imagem,
visagem ou paisagem
que a retina do olho vermelho
do espelho d’água capta,
molha e refrata.
Vidro polido no formato
côncavo ou convexo
leu e releu;
viu e reviu
o momento exato

no qual o luminoso
feixe registrou, refletiu
a amplitude do amplexo
que deixou-me sem ar
e, de certa forma,
perplexo.

Mas, logo depois...
o foco torceu,
destorceu os fatos:
nem eu, nem você
sabe o que aconteceu(?)

O destino não se enganou.
Nem tampouco enlouqueceu.
Nenhum de nós se arrependeu.
O espelho não quebrou...
apenas não nos reconheceu
quando o dia amanheceu.

(In RABELO, Gustavo. Inventário. Brasília:

Edição do autor, 2001, pp. 50-51)

MAIS-QUE-PERFEITO

O desalinho dos lençóis de linho

é irrefutável prova de que a cama

não foi apenas cama,

transformou-se num ninho

de amor-perfeito

que do teu e do meu corpo emana.

Tem um paladar

que sabemos de cor:

sabor de suor;

de pecado;

de milagre;

feito água

transmutando-se em vinho;

sabor de... sentimento-mor.

Lado a lado; olho no olho;

cabelo molhado; vestido colado

e de repente,

não mais que de repente...

escolho pelo amor ser dominado.

Ao meu redor, somente

um cenário

que não sei se real,

surreal

ou imaginário. 

Labirinto onde estão malícia, saliva,

delícia que juntas são

testemunha e prova viva

da comunhão de corpos,

que de tão cansados,

parecem mortos...

A causa mortis?

Um tiro no peito de quem acreditava

na tal perfeição do amor

que por teu mérito ou meu demérito

acabara enclausurado,

trancafiado, sufocado,

calado no calabouço do pretérito

mais-que-perfeito.

(In RABELO, Gustavo. Inventário. Brasília:

Edição do autor, 2001, p. 67)

poema em vitro

No deserto de meu coração

já não há mais areia;

todos os grãos

foram cristalizados, vitralizados:

asa trincada, quebrada

pela essência de sua ausência

ou ausência de sua essência.

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